sexta-feira, 10 de junho de 2011

Sobre o amor

Desde que fui apresentada ao filósofo romeno Emil Cioran, ele virou uma espécie de guia para mim. Os livros dele tomam ares de autoajuda. E sei que isso seria visto por ele como uma piada de mau gosto, um paradoxo sem precedentes, caso eu realmente siga os ensinamentos dele. Mas não tem jeito.
Eu comecei a ler avidamente "Silogismos da Amargura" e “Breviário da Decomposição" não tem nem um mês. E depois de um tempo resolvi lê-los com mais parcimônia, em doses homeopáticas, eu diria. Porque não quero que acabe logo (sim, sou dessas).
E posso considerar um marco na minha vida. Ter entrado em contato com ele justo nesse momento. É um daqueles encontros perfeitos, na hora certa, no lugar certo.
E bem, faltando dois dias para o Dia dos Namorados, é aquele clima no ar, as pessoas só falam disso, e blá blá. E não sou hipócrita, faço piada e tudo o mais, mas a verdade é que eu gosto de namorar. Passei muito tempo namorando, e sei que é bom, apesar de todos os reveses. E por que raios então não estou namorando? Não estou exatamente porque não quero. Contraditório? Talvez. Sou complicada quanto a isso? Sim. Não vou me alongar nisso pois não vem ao caso. Não foi isso que vim falar aqui, reclamar que a minha complexidade me impede de ter relações "normais" nem chorar minhas lamúrias pessoais.
Eu sempre tive a minha visão do que é o amor, que julgo meio complicada, e se eu começasse a falar dela aqui não haveria espaço (aliás, qualquer coisa que eu me proponho a falar sobre é essa bíblia... Sim, adoro me explicar. Adoro explicar tudo. Adoro tentar. Mesmo no fundo sabendo ser completamente improfícuo. Digamos que considero um bom exercício, o exercício da lógica, da escrita, em suma: o exercício intelectual em geral. Pensar é a causa cujas consequências são as mais inconsequentes, se isso é possível. Mas creio que gera um bom passatempo, até a chegada da fatídica hora).
Vou então apresentar um dos trechos com os quais mais me identifiquei em "Breviário da Decomposição".
Acho engraçado essa coisa de identificação com um texto, porque a ideia nasceu com você, esteve o tempo todo aí dentro, aí foi preciso alguém que, com a fórmula exata, a expusesse e que em algum momento você entrasse em contato com ela, pra finalmente dizer a você mesmo: é exatamente o que penso sobre isso! E é isso que vem acontecendo entre mim e as ideias de Cioran. Não sou xiita, admito que tem coisas dele que não me inflamam. Mas a grande maioria de seus escritos moram aqui ó (aponta pro coração e pro cérebro. Que perfeito.)
Neste trecho em que ele começa a falar das mentiras que os homens criam, e que viram mitos creditados pelo homem (por exemplo, religião), acaba falando do amor. Pra mim, o amor não se resume a isso, mas isso que ele escreve ajuda a compor com louvor o que penso (sempre pensei, mas não dei forma tão eficaz) sobre o sentimento em questão.

Sem mais delongas, segue o trecho do capítulo "A mentira imanente".


"...Nem todos os homens podem ter êxito: a fecundidade de suas mentiras varia... Tal engano triunfa: disso resulta uma religião, uma doutrina ou um mito – e uma multidão de fiéis; outro fracassa: não passa então de uma divagação, de uma teoria ou de uma ficção. Só as coisas inertes não acrescentam nada ao que são: uma pedra não mente: não interessa a ninguém – enquanto que a vida inventa sem cessar: a vida é o romance da matéria.
Pó apaixonado por fantasmas tal é o homem: sua imagem absoluta, idealmente semelhante, encarnar-se-ia em um Dom Quixote visto por Ésquilo...
(Se na hierarquia das mentiras ávida ocupa o primeiro lugar, o amor lhe sucede imediatamente, mentira na mentira. Expressão de nossa posição híbrida, cerca-se de um aparato de beatitudes e de tormentos graças ao qual encontramos em outro um substituto de nós mesmos. Por qual embuste dois olhos nos apartam de nossa solidão? Há fracasso mais humilhante para o espírito? O amor adormece o conhecimento; o conhecimento desperto mata o amor. A irrealidade não pode triunfar indefinidamente, nem mesmo disfarçada com a aparência da mais estimulante mentira. E, de resto, quem teria uma ilusão tão firme para encontrar no outro o que buscou em vão em si mesmo? Um calor nas entranhas nos trará o que o universo inteiro não soube oferecer-nos? E, no entanto, esse é o fundamento desta anomalia corrente e sobrenatural: resolver a dois – ou antes, suspender – todos os enigmas; graças a uma impostura. Esquecer esta ficção em que está mergulhada a vida: com uma dupla carícia preencher a vacuidade geral: e – paródia do êxtase – afogar-se, finalmente, no suor de um cúmplice qualquer...)."

Um comentário:

  1. Ju, pela amostra, achei a visão do filósofo romeno - que não conheço, confesso - um tanto trágica e niilista. Como se o amor, na sua essência, estivesse condenado a ser uma espécie de tango argentino ou bolero onde a dança (antes ser gozo, prazer, beleza) fosse nada mais que a materialização do vazio existencial de cada um. Sem dó nem poesia...

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