quarta-feira, 13 de outubro de 2010

My way

Acordou como nasce, das profundezas do sono e de algum sonho confuso, sem muita noção do que estava acontecendo. Como sempre. Algo automático. Levantou, tomou banho, café e foi trabalhar. Quase sempre encontrava as mesmas pessoas passando, mas não poderia dizer. Começou a acordar, e com ele (o ato), a pensar, como de praxe. Sentiu-se acuada pelas pressões da vida. Tinha que trabalhar com o que mais se aproximasse do que gosta e como o sistema dita. Ganhar dinheiro. Aí vem a próxima fase (como um vídeo-game mesmo, essa vida): Precisa sair de casa. Ganhar outra casa. Viver outra vida. Não, não outra vida. Mas uma amálgama do seu eu anterior e posterior, como um divisor de águas. Incrível como não tinha medo. Quer dizer, até tinha, em alguns momentos de lucidez. Mas eram raros, não se deixava levar. E como momentos não lúcidos podem ser o melhor? Pois eles é que dão a coragem de fazer o que se quer, sem pensar muito sobre. Se jogar do precipício. De olhos fechados. Tiro no escuro. Num jogo mesmo de sorte. Escolham uma metáfora, todas bem aplicáveis. Se daria certo, bom, depois veria isso. Sentia ser esse mesmo o caminho a seguir. Morar sozinha. A sua melhor companhia era ela mesma, então, raios, não teria problemas com o inquilino. Só aumentaria sua cota de responsabilidades. Pagar contas? Sai na urina. Normal. Quer dizer, quando se lembra. Arrumar casa... Aí sim, um problema. Nunca foi muito organizada. Bom, diarista duas vezes por mês e o resto vai levando. Cozinhar? Gostava e sabia. Só não sabia se não teria preguiça. Fazer comprar no mercado? Algo meio complicado. Pois por mais que adorasse cozinhar, não gostava de escolher os alimentos. Frutas e legumes então? Chato. Mas era preciso. Mas o que era mais preciso ainda, era a tão almejada liberdade. Liberdade... Quase nunca tinha a chance de pronunciar tal palavra. Numa conversa com colegas de trabalho, disse ser essa a única recompensa de algumas atribuições que estariam por vir. Teria liberdade. Pra si mesma. Ser e fazer o que bem entende. Não dar mais satisfações. Isso soa como um sonho distante, em nuvens fofas e límpidas, e celestiais. Era algo que sempre quis. Sempre mesmo, já ensaiando nas primeiras independências da vida.
Desde pequena, quando lia nos seus livros suas heroínas independentes e felizes com isso, já sentia querer o mesmo. Feminismo soa muito forçado, não é isso. É simplesmente querer ser e ser de fato, o que se quer, independente do gênero do corpo em que foi "abençoada" sua alma. Sempre se indignou e rejeitou viver como a porra da sociedade quer ver uma mulher viver. Era o que era. Muitas vezes achou-se homem, no sentido do ser livre que é atribuído pela própria sociedade aos seres masculinos, por sentir essa liberdade transbordando pelos seus poros (tirando a parte, claro, da violência que se vê por aí. Ficar perambulando pela rua madrugada a fora, no Rio de Janeiro, não é independência, mas burrice). Sempre se deu melhor com os homens, pois entre eles não há travas de comportamento. Falam, agem como querem. Mas tem que admitir sentir muito orgulho e satisfação pelas mulheres que na vida seguem caminhos diferentes dos pré-traçados às mulheres em geral pela sociedade e/ou suas famílias. Uma conquista? Sim, é fato. Vida bandida, vida de cão, vida filha da puta mesmo essa. Então ser mulher era mais uma luta a se lutar. Mas não, não é feminismo. É tão demodê... nem só por isso. Separar as pessoas pelo seu gênero, francamente, só serve na hora das relações, digamos, no sentido bíblico (risos). Nas outras relações, não gosta de fazer distinções. Mas creio que muitas poucas pessoas pensem assim. Os próprios homens, que ela tão admira, fazem isso. Quando uma mulher está no meio, não tem como agirem do mesmo jeito. Paciência. Porém, admite, sente um pouco de repulsa e desprezo por mulheres femininas demais. Digo feminino aqui pejorativamente mesmo. Mas, contradizendo-se, ela também tem seu lado feminino. Fato, honesto. Admite (muitas admissões...).
Bom, já fugindo do que pensava inicialmente. Mas devaneios são inerentes ao ser humano. Nos levam a lugares muito diferentes do ponto de partida. E assim nascem as boas ideias. A quem se deixa levar, sem amarras de qualquer tipo, sem recalques (ai, Freud...), alcança coisas que, possivelmente, nunca seriam pensadas.
Volta então agora a sua questão principal: sua liberdade. Tudo novo. Conquistas. Cada dia vai matar um leão (não, leão não, gosta de felinos. Vai descascar um abacaxi por dia). Mas sabe ser necessário. E se sente contente. Como nunca. Só bate, às vezes, aquele medo normal (na verdade, não é medo. É cautela. Aff... Detesta essa palavra, tão covarde... medo soa mais íntegro. Que coisa), biologicamente incrustado nos seres humanos: inconscientemente, colocar na balança as chances de tal ato dar certo e não dar. Mas segue otimista seu caminho, otimismo esse propulsado pelo novo, pelo inesperado, coisa que adora e não vive sem em sua vida. É como um segundo tipo de ar que respira. Só aspirado pelos pulmões da alma. Espera dar certo. Vibra, gosta de mudanças radicais. Sair explorando, descobrindo. Vai precisar muito de sua boca. Pena que não é pra ir a Roma, mas, talvez, pra achar lojinhas, mercados (já pensando no seu novo bairro)... E vai se sentir feliz com isso. Se bastar pra ela mesma. Pega o ônibus e segue. Seu caminho. Meu caminho. Meu jeito.

Trecho da música My Way, famosa na voz de Frank Sinatra, mas composta por Claude François, Jacques Revaux e Paul Anka. Rola uma identificação:

"...Yes there were times, I'm sure you knew
When I bit off more than I could chew
But through it all when there was doubt
I ate it up and spit it out

I faced it all and I stood tall
And did it my way

I've loved, I've laughed and cried
I've had my fill, my share of losing
And now as tears subside
I find it all so amusing

To think I did all that
And may I say, not in a shy way
Oh no, oh no, not me
I did it my way

For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has naught
To say the things he truly feels
And not the words of one who kneels

The record shows, I took the blows
And did it my way."

6 comentários:

  1. "Aceitemos então que estamos sozinhos e, a partir daí, façamos a nova descoberta de que estamos acompanhados – uns pelos outros." ~ Saramago

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  2. Ju!!

    Foi bom falar com você ontem em tempo real... adorei esse texto e estou vibrando com você diante da perspectiva da nova casinha!

    Um brinde à liberdade!

    Beijos!

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  3. essa música... não dá para não se indentificar e refletir...

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  4. Não é animador pensar em independência enquanto não é independente?

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  5. Mas então... normalmente eu não tenho problema com filmes de terror. Me amarro naquele medinho e durmo tranquila depois. Não sou nem de ter pesadelos.

    Mas o Exorcista... esse livro foi uma exceção. Nenhum outro livro ou filme teve esse efeito em mim (antes ou depois). As vezes eu até fico enjoada, se tiver alguma coisa nojenta, e levo susto à toa, mas medo não.
    É uma coisa muito esquisita, não chega ser só medo, é um incômodo também, uma sensação muito estranha, muito ruim não dá nem pra explicar... Só sei que eu tive que terminar de ler O Exorcista com gente por perto.
    (o filme não, foi tranquilo e eu me descaralhei de rir)
    Mas taí um livro que eu vou custar ter coragem de ler de novo. rs

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Loqueris!