terça-feira, 5 de outubro de 2010

Horrify yourself

Fiz uma visitinha bem agradável ao dentista hoje, com direito a brocas, lixas, agulhas e outros objetos medievais. Uma delícia! Refiz a resina de um dente que quebrei aos meus 9 anos (com o guidão da bicicleta, bicicleta essa que peguei escondido da minha mãe na ocasião. Bem feito pra mim). Ainda faltam também uma meia dúzia de tratamentozinhos, para então, enfim, colocar aparelho! Eu sempre quis colocar, sonho de infância. Não que eu realmente precise, me acho apenas levemente dentucinha. Mas é mais pelo monte de metal na boca, sempre achei lindo (é, é estranho mesmo).

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Lembrei-me de um conto que li semana passada, do meu querido Poe, Berenice. Segue spoilers, então quem quiser ler o conto, não continue.
Não vou contar o conto todo. Berenice é no conto, prima do protagonista, com quem ele se casa. E após o casamento, Berenice outrora mulher cheia de saúde, de vida (em contraposto com o protagonista, doente e monomaníco, como ele próprio se chama), após o casamento começa a definhar. Parto agora para o desenrolar do final do conto, onde o o protagonista (conto em 1a. pessoa) começa a revelar um intenso e maníaco interesse pela arcada dentária de Berenice. E, como a doença progride e a leva à morte, pode-se imaginar o que ocorre no final do conto. Se vocês não conhecem muito a literatura poesca, ou se, realmente dei poucos dados para tal, não adivinharão o que ocorre (bom, eu deduzi, visto meu treinamento em sua literatura). Sim, isso mesmo. Ele, num ato insano, de loucura inconsciente (convenientemente, ou não, ele não se lembra do ocorrido), arranda no canto do quarto (adoro isso).Poe é meu grande amor literário. Desde minha adolescência incipiente, quando minha nobre mãe presenteou-me com um exemplar de Histórias Extraordinárias, coletânea de 13 contos dele, livro que leio e releio desde então. Encontra-se nele Gato Preto, A Queda da Casa de Usher (esses entre meus favoritos), e alguns detetivescos, com Dupin,  precursor do Poirot da Agatha Christie (desculpe Poe, mas essa você perde. Nas histórias policiais, Christie é a senhora, não tem jeito): A Carta Roubada, Os Crimes da Rua Morgue, entre outros. Eu sou suspeita para falar de contos (minha forma literária favorita), já li quase todos dele. Já a coletânea Contos do Grotesco e do Arabesco, que ardentemente procuro, me parece não ter uma única ediçãozinha traduzida para o português. Contento-me lendo seus contos por fora. Das suas outras incursões literárias há os poemas, claro. Apesar de muito famoso por causa deles, não li muitos. Na verdade só conheço O Corvo e Lenore. Não sou muito fã de poemas (tirando Drummond, mas isso é outra história). Falta-me também ler seu único romance, As narrativas de Arthur Gordon Pym. Enfim, ele é o mestre do Horror. Psicológico, ou não. Onírico, ou não. Policial, ou não.
Só pra ilustrar, uma passagem como exemplo da capacidade poesca de nos inserir no seu mundo de horror, de mergulhar nossa mente nos microcosmos por ele criados. De nos dar todo o arsenal para facilmente sentirmos o clima, a tensão, a lugubridade:
"[...] Com o coração pesaroso, ainda que relutante e oprimido pelo medo, dirigi-me para o quarto de dormir da falecida. Era um quarto grande, muito escuro e a cada passo dado naquele sombrio interior defrontava-me com aprestos do enterro. Os cortinados do leito, assim me disse um criado, recobriam o caixão, e neste, sussurrou-me ele, se achava tudo o que restou de Berenice. Teria alguém me perguntado se eu não queria olhar o corpo? Não vi ninguém mexer os lábios, entretanto a pergunta havia sido feita e o eco das sílabas ainda ressoava no quarto. Era impossível recusar e com uma sensação de asfixia avancei vagarosamente na direção do leito. Ergui de leve as negras dobras dos cortinados. Ao largá-las, elas caíram sobre meus ombros e, ocultando-me assim dos vivos, envolveram-me numa estrita comunhão com o cadáver. A atmosfera se impregnara inteiramente do odor da morte. O cheiro peculiar do caixão me fazia mal e cheguei a supor que emanações deletérias já exalavam do corpo. Teria dado mundos para fugir dali – voar para longe da influência perniciosa daquele ambiente mortuário – respirar uma vez mais o ar puro dos céus eternos. [...]"


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Aproveitando o ensejo, farei algumas sugestões desse gênero da literatura, o mais lido por mim nesse pequeno ínterim de vida. Robert Louis Stevenson, autor do famigerado O Médico e o Monstro, e do ótimo mas não tão famoso O Ladrão de Cadáveres; O de lei Frankstein de Mary Shelley (embora do terror, lógico, creio que há muito de filosófico também); Anne Rice, a precursora das histórias de vampiros (pra mim, porque pra muita gente é aquela cujo nome não lembro e que começou com aquela desgraça na vida de quem gosta de vampiros de verdade, a série Crepúsculo), com suas Crônicas Vampirescas: o melhor Entrevista com o Vampiro e o também ótimo Lestat (as outras ainda não li). A Rainha dos Condenados, confesso, parei no meio. Não recomendo, deveras enfadonho; O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde; Agatha Christie, apesar de ser considerada literatura policial, na minha visão, alguns romances dela possuem uma aura de tensão bem semelhantes às criadas nos livros de horror, sem falar das mortes engendradas com requintes de criatividade acima da média. Os melhores dela são sem dúvida os casos de Poirot. Não curto muito quando ele não aparece. Recomendo Cipreste Triste, O Natal de Poirot e claro, o genial O Caso dos Dez Negrinhos (esse último que, junto com Psicose, com certeza inspiraram o maravilhoso filme Identidade). Não posso deixar de citar H.P. Lovecraft, embora eu só conheça contos menores. Não, ainda não li O Chamado de Cthulhu. Ah, forçando um pouco a barra, porque não é essencialmente horror, apesar de poder suscitar algo do tipo (considero com certeza um conto fantástico), tem O Curioso Caso de Benjamin Button, de Fitzgerald, presente no livro Seis Contos da Era do Jazz (nota: preciso comprar). Enfim, eu ainda sou garota, há muito o que ler e conhecer dentro dessa literatura. Dentro da poesia, além dos do Poe, acho ótimo também As Flores do Mal, de Baudelaire. Baudelaire, aliás, foi amigo de Poe (por correspondências), traduzindo muito de sua obra para o francês. Só imagino sentar num Café com esses dois, que coisa maravilhosa e onírica e utópica de se pensar.
Acima, praticamente citei os clássicos, bibliografia básica dos amantes do gênero. Mas, uma boa recomendação é a coletânea feita por Manguel Contos de Horror do Século XIX, pela Companhia das Letras. Boa pra conhecer os melhores contos dos autores menos endeusados do gênero. Particularmente, adorei A Volta do Parafuso* (horror essencialmente psicológico, e um tanto intragável. Mas vale a pena insistir), de Henry James; "A Família do Vurdulak", de Aleksei Konstantinovitch Tolstói (não é o Tolstói de Ana Karenina. Mas é parente dele, acho); O Travesseiro de Penas, de Horácio Quiroga (maravilhoso este); Uma Vendeta, de Guy de Maupassant. Curiosamente, o exemplar de Poe é Os Fatos no Caso do Dr.Weimar, que sim, é muito bom, mas há outros, como Berenice mesmo, muito mais dignos de figurar nessa coletânea. A coletânea é perfeita, mas claro que sempre poderia ser mais extensa. A gafe fica por conta de terem traduzido O Ladrão de Cadáveres (The Body Snatcher) de Stevenson como O Rapa-Carniça. Sofrível.

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Outra literatura, mas essa é muito mais underground e pode gerar certa polêmica, pois muitos podem pensar não ser digna como literatura (pelo menos acho que nunca entraria para o cânone): são os Romances de Clã, baseados nos clãs de vampiros de Vampire, um universo de RPG. Já li sobre Gangrel, mas é meio difícil de achar todos os clãs. Eu particularmente, os considero muito boa literatura, são muito bem escritos. E o legal é que qualquer leigo em Vampire pode ler, não há necessidade de muito conhecimento prévio sobre o assunto.



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Claro que deixei MUITA COISA de fora, mas como disse, ainda sou garotinha. Mas para quem é fã do gênero, há sempre o que buscar. Sempre sedentos de sangue, e mais sangue... rs.


* Nota no final porque dentro de parênteses ia ficar horroroso de grande: adoro a polêmica em torno do título, que em inglês é Tighten The Screw, Give The Screw Another Turn, que literalmente em português traduz-se "apertado o parafuso, dê ao parafuso outra volta". Mas seria uma expressão, que diria: "Colocar pressão em algo que já está em situação aflitiva". A expressão lembra o "thumbscrew", aparelho de tortura medieval em forma de anéis. Outra coisa a dizer, é que com quase 100% de certeza, quem fez aquele filme genial e no top 10 dos meus preferidos, Os Outros, leu esse conto, visto as similaridades.

5 comentários:

  1. para mim o MELHOR conto do POE é O CORAÇÃO DELATOR (th tell-tale heart) é muito bom, tem até umas adaptações em vídeo (várias), dá para achar no you tube (a da UPA é a melhor...)

    e eu sempre quis ler os romances de clã - resquício a curta época que joguei A Máscara, mas nunca tive quem me emprestasse e por falta de $ e medo de acabar não gostando, nunca comprei...

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  2. "The Tell-Tale Heart" é com certeza um dos mais tétricos, mais evil dos contos dele!!

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  3. Adorei o template novo! =]

    E também não gostei muito da Rainha dos Condenados, mas li até o fim. É meio sem pé nem cabeça.
    Você *precisa* ler A História do Ladrão de Corpos. É meu preferido das Crônicas Vampirescas. E Memnoch também é **fantástico** vc tem que ler! Sério.

    E eu to gostando bastante da série da Charlaine Harris (aquela que deu origem a True Blood).
    Os livros são infinitamente melhores do que a série, diga-se de passagem.

    E o Caso dos Dez Negrinhos é simplesmente fantástico! Gosto demais.
    Sabia que tem jogo? Eu achei meio enjoado, pq os enigmas são meio chatinhos de resolver... Mas quando eu joguei também não tinha lido o livro ainda, aí não sabia o que tava procurando.
    Talvez dê mais uma chance... rs
    A atmosfera do jogo é a mesma do livro, bem legal.

    E eu também tenho muuuuito o que ler (mais do que vc...)
    Mas a gente ainda tem tempo, neah? rs

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  4. Ficou ótima, a nova cara do blog ! Bom, também adoro Poe... " O barril de Amontilado" não está nessa mesma coletânia? Eu adoro esse conto!
    Engraçado, a quanto tempo não via comentários sobre o Lupin, do Leblanc. Li vários livros desse ladrão brilhante!
    Abraços!

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  5. Gostei do novo Layout, Ju...

    Bom, você me lembrou de que eu preciso ir no dentista também... rs

    Amo Poe! Já há alguns anos... e Berenice é um puta conto, eu acho.
    E sobre o comentário acima, a série da Charlaine Harris é interessante... para quem gosta de vampiros... hahaha, que é definitivamente o caso. Eu tenho ela em áudio (original em inglês). Se quiser posso tentar gravar para você e te entrego quando nos encontrarmos (em breve)...

    Vamos combinar de ir ver a exposição, ok? Assim que passar a minha prova...

    beijinhos, bonequinha!

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Loqueris!